A contribuição da etnografia colonial para a história de Timor Leste

O livro é uma antologia em que os investigadores abordam diversos temas etnológicos ou etnográficos do período colonial como fontes de investigação. De um total de 10 artigos organizados por Ricardo Roque, e um pósfácio da antropóloga holandesa Maria Johanna Schouten. Está devidido em três partes, a primeira, sobre Etnografias e o Governo Colonial, a segunda, Da Missão Antropológica à Antropologia Social e a terceira, As Etnografias Coloniais e a Nação Imaginada. Dos vários artigos, o que os une é a etnografia baseada na etnologia como uma forma de produção de conhecimento.

A etnografia colonial basicamente permite coletar várias informações de colonizados ou indígenas para fins coloniais. Daqui, o interesse colonial com a influência do espírito da época ou zeitgeist é mais importante. Embora geralmente em nome da ciência, a base é garantir a continuidade do próprio colonialismo.

Assim o modo de vida dos timorenses que foi coletado é selecionado numa perspectiva colonial, sobretudo daqueles com legitimidade ou autoridade científica ou hierárquica, ou uma instituição colonial ou uma pessoa proeminente ou com uma posição importante na estrutura colonial. Neste caso, segundo o livro, Ruy Cinatti é a pessoa que tem autoridade para determinar o tema ou local de pesquisa para pesquisadores ou académicos, nacionais ou estrangeiros.

O próprio Cinatti era inseparável do espírito da época. Por exemplo, uma das suas leituras foi o livro do antropólogo social australiano A.P. Elkin, que acreditava na vantagem do envolvimento dos antropólogos na formulação de políticas públicas nativistas. A sua ação política em prol da assimilação dos nativos veio a ser rotulada de paternalista, e foi também criticada por Cinatti.

E o que pode ser considerado uma perspectiva estrangeira ou colonial torna-se interessante quando se entra no artigo de Kelly Silva falando sobre a Guerra do Barlaque. Quando os timorenses assimilados debatiam a situação da mulher na cultura timorense e criticavam os seus oponentes que a vida social de Timor Leste era muito complexa e difícil de entender por pessoas não familiarizadas com o contexto local. Então o contato com o colonialismo também enriqueceu a perspectiva timorense de ver a própria vida.

Refira-se ainda que, para além de uma riqueza de conhecimento sobre a sociedade timorense que se acumula por ser considerada exótica ou valiosas, em geral o papel dos timorenses enquanto indivíduos tenderá a ser negligenciado. Um timorense só será registado se liderar uma rebelião ou devido à sua obediência ao domínio colonial. Neste caso, Dom Aleixo Corte-Real foi escrito com uma biografia e sua estátua foi imortalizada por ser considerada fiel ao colonial português.

Outra contribuição importante da etnografia colonial permitiu que os timorenses se conhecessem. Porque os próprios timorenses em alguns aspectos tem dificuldades em pesquisar a sua própria sociedade. Por exemplo, em Lospalos, as pessoas foram agrupadas em vários clãs onde um dos outros membros do clã não teria facilidade para obter informações para pesquisar os outros clãs. Porque em algumas tradições orais as informações são consideradas exclusivas apenas para aquele grupo de clãs.

É claro que a sociedade está sempre mudando e há muitas invenções culturais. No entanto, ainda há coisas fundamentais que são mantidas. Assim, a mudança nem sempre parece inteiramente nova. Por exemplo, o programa do Ministério da Educação, ao rever o currículo do ensino básico de 2014, alguns timorenses, tanto académicos como políticos, criticaram o currículo por enfatizar que a língua tétum era a chave no processo de alfabetização antes de um aluno ser gradualmente ensinado em português. O que a Fretilin, enquanto o movimento de libertação em Timor-Leste, também praticava na Zona Libertada baseava-se no método pedagógico de Paulo Freire. É interessante porque neste livro, o capítulo de Hugo Cardoso, Descrições portuguesas das línguas de Timor-Leste na transição dos séculos XIX e XX refere-se também que nessa altura o padre Manuel Mendes Laranjeira já criticava, que não se não contextualizava com a condição de Timor-Leste.

Mendes Laranjeira fornece alguns dados importantes acerca dos processos pedagógicos seguidos nas escolas timorenses. Os materiais e métodos eram os mesmos que vigoravam em Portugal, pelo que os alunos timorenses eram iniciados na leitura com uma cartilha portuguesa, lendo palavras e frases que, nessa fase da sua aprendizagem, não compreendiam. O padre Mendes Laranjeira insurge-se contra esta prática, alegando que «[d]esde o princípio, e principalmente no princípio, o aluno se deve ir habituando a ligar cada palavra, que vê no seu livro, á ideia que ela representa, e não a um mero som» E a sua Cartilha-Tetum em 1916, também facilitar a aquisação da leitura em tetum antes de uma rápida transição para a leitura do português.

Também é interessante ler o texto Teatros da violência: folclore colonial e danças do Lorosa’e que o Ricardo Roque na sua conclusão mencionou as danças do lorosa’e em Ainaro em 1953, que são duplicações e substituições materiais de cabeças humanas cumpriam o propósito simbólico de (re)produzir os mesmos efeitos rituais dos lorosa’e originais, de que eram cópia e repetição. Neste mimetismo performativo, os lorosa’e de 1953 não produziam, julgo, apenas uma relação de continuidade com o passado, mas tornando as celebrações das guerras coloniais do passado equivalentes ao momento presente. A folclorização enfeitiçou a imagem dos lorosa’e de Ainaro, dissociando-a das suas marcas coloniais; atribuindo-a à alteridade de um povo dito «bárbaro»; afastando-a para longe, para um tempo sem história. Este texto mais não fez do que tentar quebrar este feitiço. Por que hoje em dia a dança da decapitação ainda existe. Por exemplo, um artista timorense, Osme Gonçalves com o seu grupo na sua atuação, apresenta frequentemente a dança de Semae de Lospalos em alguns concertos em Díli, mesmo na Austrália, o vídeo está disponivel no youtube. 

Além da perspectiva colonial da época, os diversos escritos etnográficos coloniais deste livro enriqueceram a nossa compreensão da sociedade timorense hoje, especialmente traçando a sua trajetória. Porque os registos coloniais em forma de etnografia são capazes de preservar muitas coisas e conhecimentos sobre a sociedade leste-timorense.

No entanto, é necessária uma crítica para entender como as informações recolhidas se relacionam principalmente com a produção de conhecimento. Neste caso, os timorenses precisam de reinterpretar essas fontes etnográficas para aprofundar e timorizar, a história de Timor-Leste, e a partir daí é possível compreender melhor a sociedade leste-timorense contemporânea.

Be the first to comment

Leave a Reply

Your email address will not be published.


*