Introdução.
Iparira é uma aldeia que faz parte do posto administrativo de Lautém-Moro, município de Lautém. Nesta pesquisa, entrevistaram-se duas pessoas de gerações diferentes, um ancião e outro mais jovem. Além disso, consultaram-se também algumas outras pessoas da aldeia. Na primeira entrevista realizada, a versão estava incompleta, então resolveu-se fazer uma segunda investigação. Primeiramente, documentou se este ai-knanoik em língua fataluku. Depois, foi feita a adaptação para o tétum e por último para o português.
A lenda explica o surgimento da povoação de Iparira e das três fontes de água ali existentes: Iparira, Ira-Valuvalun e Kaki-Ira. No processo deescrita, optou-se por compilar as suas versões da história recolhidas. Na versão contada pela ancião – Lourreiro da Silva, há partes que foram omitidas por serem consideradas sagradas.
***
Há muito tempo havia um lugar muito seco, por isso poucas pessoas moravam lá. Para buscar água, era preciso ir muito longe, mas atualmente a água flui dando vida à população.
Naquele lugar vivia uma família feliz, que tinha uma única filha, uma moça muito formosa. Ela sempre cuidava da casa, quando seus pais, na companhia de um cão que se chamava Laku-Wetar,[1] iam buscar água em um lugar muito distante.
Certo dia, na época de verão, quando as folhas das plantas estavam murchas e o vento levantava muito poeira, a fonte onde costumavam buscar água secou. Por isso, os pais da moça saíram de madrugada para ir à fonte e ao meio-dia ainda não haviam voltado.
Em casa, a moça tecia o tais e cantava a sua triteza. Naquele dia, o cão Laku-Wetar regressou mais cedo, molhado, com a cauda balançado. A moça foi lá fora, procurou os seus pais, mas ninguém apareceu. Esperou até a tarde, mas como eles não apareceram, decidiu procurá-los. Colocou um pouco de cal em lusu-lusu[2] e pendurou-o no pescoço de cão, mas, antes, fez um buraquinho nele para que, por onde ele andasse, deixasse um rastro de cal atrás. O cão Laku-Wetar foi à frente e a menina o seguiu. andou um pouco e, ainda perto de casa, o cão saltou e nadou numa lagoa. A moça se assustou, mas, inesperadamente, um bonito rapaz surgiu em meio à vegetação que havia sobre a água daquela lagoa.
– Quem é você? – a moça perguntou.
– Sou o dono da água. – respondeu o rapaz.
– Ai! Nós nunca vimos esta fonte. A água é muito limpa, podemos pegá-la?
– Sim, mas você mesma é que tem que vir pegar – disse ele.
A moça focou feliz e voltou correndo para casa. levou o tchutchu[3] para pegar água na fonte. Quando a moça já estava perto de encher todos os tchutchu, o rapaz sentou-se em cima da água e cantou com tristeza.
– Porque é que a sua canção é triste? – a moça perguntou.
– Eu choro porque esta água está quase a secar e as outras fontes também. É preciso uma moça para vigia-las, para que continuem a fluir permanentemente.
– Eu posso guardá-las, mas como faço?
– Se quiser, você pode tornar-se minha esposa e vamos vigiá-la juntos. – ele propôs.
– Eu quero, mas você precisa falar com os meus pais. – respondeu a menina.
Logo depois, começou a anoitecer e os pais da moça chegaram. Eles se surpreenderam quando viram os reservatórios da casa cheios de água.
– Onde você buscou a água? Como os reservatórios estão cheios de repente? o pai perguntou.
– Busquei-a numa fonte aqui ao lado, vigiada por um rapaz.
Ela relatou aos pais tudo o que havia acontecido. Eles quiseram conhecer o lugar e ela os levou até a fonte. A princípio, eles não encontraram nada porque em cima da água havia muita vegetação, mas, repentinamente, o rapaz apareceu e cumprimentou-os.
– Bem-vindos! – disse o moço.
– Ah! Você é o dono da fonte? A partir de amanhã nós podemos vir buscar água aqui? – os pais perguntaram.
– Podem, mas, sinto-me triste, porque logo esta fonte vai secar. se vocês quiserem que a água continue a correr, têm que me permitir casar com a sua filha para que nós a vigiemos juntos, – explicou o rapaz.
Os pais entenderam que a sua filha também queria se casar com o rapaz. Eles regressaram à casa. Vestiram e enfeitaram a moça, depois mataram um prco, prepararam a comida e foram para a fonte.[4] Então e moço pegou na mão da moça, ekes entraram naágua e desapareceram. O cão Laku-Wetar saltou e também entrou na fonte, mas nesse momento transformou-se um uma grande pedra.[5]
Depois desse acontecimento, os pais ficaram muito tristes, mas no fim, todas as pessoas ficaram alegres porque a fonte corria sempre na frente das suas casas ano após ano. Aquela água dava vida aos filhos e netos, de tal forma que hoje há uma povoação no lugar chamada Iparira. Essa palavara vem do Fataluku, ipar que significa “cão”, e ira, que significa “água”. Atualmente, naquele lugar, além da fonte Iparira, há também duas outras fontes, chamadas Ira-valuvalun[6] e Kaki-Ira.[7]
Os Contadores do ai-knanoik:
O Sr. Aleixo Aniceto nasceu na aldeia Vailovaia, suco Com, posto-administrativo de Lautém-Moro, município de Lautém, no dia 5 de Novembro de 1962. Estudou até o 2° no período colonial portugês, frequentando a escola até o ano de 1972. No período Indonésio, foi funcionário da escola primaria SDN I Parlamento-Moro. Hoje, é negociante e também trabalho como agricultor. Ele ouvia ai-knanoik quando criança, pois todas as noites, sua mãe, Madalena Aniceto Correia, contava histórias para ele e seus irmãos. A Sra. Madalena era avó de recolhedor dessa história, Rogério Sávio Ma’averu. O segundo entrevistado, Sr. Loureiro da Silva nasceu na aldeia Laiara, suco Parlamento, posto administrativo de Lautém-Moro, município de Lautém, no dia 28 de outubro de 1930 e é agricultor. Contou a história de maneira tradicional com hamulak.[8]
* Publicado em Cavalcante. Márcia V. & Maria da Cunha (orgs.) Histórias da minha origem – Ai-knanoik hosi ha’u-nia hun. Díli.UPDC.PPGP. 2018.p.81 85.
Nota de rodapé
[1] Wetar é o nome de uma ilha na província Moluccas (Indonésia). A maioria das histórias dos fataluku relatam sobre antepassados que vieram de muitos lugares que rodeiam a ilha de Timor.
[2] Recepiente feito de bambu utilizado para ser colocar o cal.
[3] Tchutchu em Fataluku ou au-doran em tetúm, objeto feito de bambu que é utilizado para buscar água.
[4] Esse processo de matança dos animais faz parte da cerimônia de barlake, tanto naquela quanto em outras regiões de Timor-Leste.
[5] Essa história era contada desde tempos muito antigos. A pedra ainda existia até recentemente, mas se quebrou e sumiu na década de 1990, durante o período de ocupação indonésia.
[6] Em fataluku significa “água fervente”.
[7] Em fataluku significa “água para curar doença de pele”.
[8] Rezar; orar; dirigir palavras propiciatórias, de carácter puramente deprecatório e propiciatório, à divindade ou ao lulik (antes de oferecer sacrifícios). [Cƒ. Naroha.] Neste caso, a súplica dirige-se a qualquer divindade [L.C] .
Pintura: Alfe RM

Furak,,!!
Obrigadu bá maun nia artikel ne'e.
Interesante tebes.
Obrigadu. Só lenda la'ós artigu. Bele haree mós versaun tetun.